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O SNS é a ryanair da saúde.

por Mia, em 28.04.17

Estão a ver quando viajamos numa low cost e somos tratados como gado?

 

Não me interpretem mal, não esperava mordomias nem sequer a mesma atenção que recebo no privado. Mas não esperava também ser tratada como um animal.

 

 

Por falhas passadas que agora não interessa dissecar, a minha gravidez apenas começou a ser seguida no centro de saúde após as 13 semanas. Foi uma opção minha, consciente e informada, não ter lá ido mais cedo, no entanto nunca foi um descuido. Todo o processo foi minuciosamente seguido desde a fase de pré-concepção.

 

As coisas funcionam tão bem que, quando finalmente me dirigi ao centro de saúde, me foi negado o direito a ser seguida no SNS. "Devias ter vindo antes, agora se quiseres vai para o privado", disseram-me. Assim.

Não me resignei e bati o pé. Tenho direito a isso. Sempre foi minha pretensão fazer o parto no hospital público, e não me fazia qualquer sentido cair lá de para quedas sem qualquer tipo de acompanhamento, no dia do parto - chamem-me esquisitinha.

 

 

Perdi muitas horas, muita paciência, reclamei MUITO. Duas semanas e uma transferência de centro de saúde depois, finalmente consegui usufruir do meu direito enquanto cidadã, a algo pelo qual pago (demasiado) todos os meses - ser acompanhada no serviço nacional de saúde. A loucura.

 

 

A ecografia morfológica foi marcada já fora da data recomendada, para um dia de semana às 16h - sem qualquer hipótese de negociação. Ninguém se compadece de quem tem patrões mais rígidos ou de quem - como eu - trabalha a 60km de casa. Informaram-me que estava marcada para as 16h mas deveria lá estar com 15 minutos de antecedência, é pegar ou largar. Fui atendida já perto das 18h30, obviamente.

 

 

Chegada ao hospital, que não conhecia, onde nunca tinha estado, dirigi-me à recepção e apresentei a carta que me tinham enviado. A funcionária disse-me, rispidamente, que esperasse na sala 'C'. Olhei à volta e as portas estavam numeradas. Voltei a perguntar onde era, e pela forma como me respondeu tenho quase a certeza que devo ter insultado os antepassados da senhora, porque quase me batia, como se eu tivesse a obrigação de adivinhar que a sala C fica por detrás da porta 10-38.

 

 

Antes de prosseguir, pausa para um apelo sentido: pessoas que atendem ao publico, não sejam bestas com as grávidas. Parecendo que não, estamos pesadas, impacientes, hormonais.  E, se aturar parvalhões no estado normal já não é agradável, grávida piora consideravelmente. Ainda tinha acabado de chegar e apetecia-me chorar - acreditem.

 

 

Continuando.

Duas horas e meia depois, finalmente fui chamada para a ecografia. Sempre achei que a medicina não deveria ser uma carreira acessível apenas aos marrões, mas que a avaliação da vocação e people skills deveriam ser cruciais no processo de admissão. E se há pessoa que não tem a mínima vocação para a coisa foi a médica que me atendeu - e que vim a saber mais tarde ser já famosa pela forma como trata as pacientes.

Um médico não tem "só" que ser competente, tem que saber que lida com pessoas, muitas vezes em momentos difíceis. Uma obstetra TEM que saber que está a lidar com uma pessoa particularmente sensível, e uma obstetra que acaba de ler na ficha da paciente que ela sofreu um aborto há meses TEM que ser minimamente cuidadosa.

 

 

Mas não. Apontou-me para a marquesa e despejou-me um frasco de líquido na barriga, sem dizer uma palavra. Começou o exame, enquanto praguejava porque o miúdo estava de costas e estava a ser inconveniente. Perguntou-me se sabia o que era.

Dizem que é um rapaz” – disse – “confirma-se?”.

“Sim, estou-lhe a ver os tomates."

 

 

OS TOMATES.

 

Adiante. Prosseguiu em silêncio. Bateu-me com a sonda na barriga com força, enfiou-a no meio das costelas, praguejou mais um bocado. Por diversas vezes ocorreu-me levantar e sair. O homem, maior paz de alma que conheço, às tantas irritou-se e perguntou: “mas afinal está tudo bem?”. Legítimo, estávamos há uns 10 minutos a ver imagens que se pareciam mais com um frango do que com um recém-nascido, sem a mínima pista de que algo estaria bem ou mal. “É o que estou a tentar ver”, respondeu, bruta.

 

Terminada a ecografia levantou-se e atirou-me, literalmente, com uns papéis para cima.

Pode sair, o seu rastreio foi negativo."

Negativo é bom ou é mau?” – pergunto. Eu não adivinho!!!!

É bom, claro que é bom”, diz-me agressiva.

 

Agarrei no relatório e saí.

Não ouvimos batimento cardíaco, mal conseguimos identificar partes do nosso filho, não sabemos o que foi examinado, muito menos quais os resultados. Não sabemos nada.

 

Saí do hospital quase em lágrimas, preocupada, ansiosa, revoltada. O homem, para me tentar acalmar, dizia: "sabes que isto é o publico".

 

 

Não aceito.

 

 

A palavra “publico” não deveria nunca ser usada como adjectivo, como sinónimo de algo de má qualidade, rasca, e pouco confiável. A saúde é uma coisa séria, os profissionais que trabalham nos hospitais, centros de saúde e afins, são pessoas instruídas e remuneradas, não há desculpa para este tipo de tratamento.

 

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publicado às 15:50


2 comentários

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De Fátima Bento a 29.05.2017 às 12:29

Pormenor: ainda não viajei em low cost - as minhas viagens mais habituais são para Londres e gosto da British Airways. Não te vou contar a minha última, de regresso... foi pior que abaixo de cão. 
Garanto-te, no entanto, que não volta a acontecer...
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De Mia a 29.05.2017 às 16:17

Eu viajo (viajava!) imensas vezes pela ryanair. Não é que sejamos tratados abaixo de cão, mas somos tratados como animais, empurrados para um lado e para o outro, sinto que enquanto clientes não somos valorizados, temos um atendimento tão low cost como pagamos.
Pela british airways nunca voei.. não fazia ideia que fosse assim tão má!

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