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Não sei se dá para reparar, mas é mesmo um assunto que me mexe com os nervos.
Conheço uma pessoa que embarcou numa depressão pós-parto porque não conseguia amamentar. Culpo a nossa sociedade, e acima de tudo os nossos profissionais de saúde, por isto.
No hospital, somos ensinados que não há outro caminho que não a amamentação. Que não podemos desistir. Que é a única forma de o nosso filho criar vínculo com a mãe. Que temos que gostar. Que uma mulher é menos mãe se não amamentar. Não se coloca a hipótese de a mãe não conseguir, de o leite ser fraco, de o bebé ou a mãe não o poderem fazer, ou - heresia - de a mãe não querer.
A nossa lei não permite a publicidade a leite artificial - porquê?! Quando foi que voltamos à época da censura? Quem foi que decidiu que esse assunto é tabu e não se pode falar sobre ele sob pena de as nossas crianças ficarem todas subnutridas?
Há tempos fui a um workshop de amamentação, e a responsável pela marca que patrocinava o evento explicou-nos que não nos podia mostrar os biberões e chupetas da marca porque eram "amigos da amamentação". Portanto, eu posso passar uma hora e meia a ver exemplos práticos de como utilizar todos os modelos de bomba de extracção de leite, fazer testes a discos de amamentação, experimentar creme para mamilos gretados... mas não posso ter noção de que existe um plano B se as coisas não correrem tão bem? Faz algum sentido? Como é que uma marca "amiga da amamentação" não é uma marca amiga do bebé? Como é possível defender que é preferível uma criança chorar horas a fio do que utilizar uma chupeta? E quem diz marca diz hospitais, médicos, enfermeiros. Que espécie de profissionais são estes que parece que têm palas nos olhos e não admitem soluções alternativas quando as ditas ideais não estão a fazer bem ao bebé ou à mãe?
A minha amiga nunca foi uma extremista da mama, assim como eu não sou. Mas interiorizou que seria o melhor para o seu bebé, e mentalizou-se de que o faria, no mínimo, pelo tempo recomendado pela OMS. Quando a criança nasceu, não mamava. As enfermeiras tentaram ajudar, corrigiu-se a pega, desfizeram-se as pedras causadas pela subida do leite, comprou-se uma bomba, tentou-se de tudo. E o bebé perdia peso a olhos vistos. Não dava. A insistência estava a por em risco a saúde do bebé, e ela foi forçada a desistir, e enterrou-se num buraco de desespero profundo. Porque toda a gente lhe apontava o dedo. Porque era péssima mãe. Porque não fez o que era suposto. Porque não foi suficientemente boa para o filho dela. Aquele que tinha tudo para ser o momento mais feliz da vida dela foi negro, marcado pelo falhanço, pela insegurança e pela solidão.
Gritamos aos quatro ventos que as mulheres devem ser livres de fazer o que quiserem com o seu corpo. Defende-se, por exemplo, o aborto como opção válida em qualquer circunstância, e qualquer pessoa que questione o porquê ou verbalize qualquer julgamento de valor é um insensível para com a mulher, o corpo é dela e ninguém a pode obrigar a gerar uma vida. Mas obrigar a amamentar é aceitável?