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Acabou-se a mama

por Mia, em 09.02.18

Não há leite fraco.

O teu corpo produz sempre o necessário para o teu filho.

Não desistas da amamentação.

 

 

Sabem onde podem enfiar estas e as outras frases feitas relativamente à amamentação? Aí mesmo.

 

Planeei amamentar em exclusivo o meu filho até aos seis meses, e depois tirar. Entretanto ele nasceu, e eu considerei prolongar a amamentação, não porque gostasse, mas por ser melhor para ele. Tudo a correr bem, ultrapassados os problemas iniciais entramos em piloto automático e a coisa fluía naturalmente.

 

Um belo dia - ou não tão belo quanto isso - a pequena criatura começou a mamar menos. E menos. E menos. Se habitualmente mamava 10 a 15 minutos de cada lado, de repente começou a mamar 10 minutos no total, e depois era uma choradeira de proporções épicas e me fazer dar graças a todos os santinhos por não termos vizinhos.

 

Falei com a pediatra - é normal, é porque ele agora consegue mamar de forma mais eficaz. E sosseguei por uns dias. Até que, numa consulta de rotina no centro de saúde, verificamos que ele em duas semanas tinha aumentado apenas 30 gramas de peso. Na minha cabeça, todos os alarmes dispararam, mas à minha volta as pessoas diziam que não. Que era normal. Que os bebés aumentam menos de peso conforme avançam na idade. Que dar mama é que é bom. Disse a enfermeira, disse a médica de família, disseram os sabichões de serviço, mas eu não estava bem com isso. Nessa noite não dormi. O meu filho está a passar fome, tenho a certeza, era o pensamento que me pairava na cabeça.

 

Esperei pela manhã, e liguei à pediatra. Outra vez a mesma conversa, que era normal, que não tinha nada de mal ganhar pouco peso, que era um menino saudável, blá blá blá, mas pronto, se a mãe se sentir melhor com isso, faça assim: tire leite com a bomba e no fim de ele mamar experimente dar-lhe com o biberão, para ver se ainda tem fome. Dito e feito, e claro, a criança estava faminta. Mamou o biberão, e mamava mais se houvesse.

 

Voltei a ligar: vamos começar a dar suplemento imediatamente.

 

É por situações destas que fico frustrada com a obsessão pela amamentação. Com esta brincadeira, o meu filho esteve a passar fome semanas. Era mesmo necessário? Eu não sei se o meu leite era fraco, ou era pouco, ou o que raio se passou. Mas para quê insistir em algo que não está a ser benéfico para a criança? Se eu não tivesse insistido que algo não estava bem, todos os profissionais de saúde que nos acompanham teriam deixado passar esta situação.

 

Começamos a suplementação com leite artificial aos quatro meses e meio, e o monstrinho atirou-se ao biberão como se não houvesse amanhã. Continuei a amamentar - primeiro mama, depois biberão, até ao dia em que decidi parar. Assim, sem floreados: aos cinco meses e meio, escolhi parar.

 

Não o fiz de ânimo leve. Amamentar estava a ser uma tortura para ambos. Chegava a hora de comer, ele cheio de fome, mamava dois ou três minutos, forçado, entre lágrimas e gritos. Para quê?! Falei com a pediatra, expliquei a situação e concordamos que era melhor parar. É claro que me senti culpada, nostálgica, falhada, má mãe. Mas ultrapassei. O meu filho bebe leite artificial. E não há mal nenhum nisso.

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Em criança tinha um livro que contava a história de dois esquilos que, durante o outono, armazenavam bolotas para passarem um inverno sossegado e longe do frio, dentro do seu tronco. O inverno era ilustrado por uma imagem dos esquilos quentinhos, dentro do tronco e junto a uma lareira, a comer as suas bolotas, e recordar essa imagem ainda hoje me traz conforto.

 

Lembro-me tantas vezes desta história que não pode ser normal, e, de certa forma, fiz disso modo de vida. Tenho sempre coisas "de reserva" em casa. Água, produtos de higiene, alimentos. Desperdiço imenso dinheiro e deito fora coisas com validade expirada à conta desta minha mania de comprar tudo a mais. No verão compro roupa de inverno, no inverno compro roupa de verão. Coisas de que muitas vezes não preciso ou que nem irei usar. Tenho um par de sapatos de cada cor, apesar de alguns nunca terem sido usados, porque pode dar jeito. Tenho dois armários cheios de casacos, de todas as cores e feitios, mas depois uso sempre os mesmos dois ou três. Possuo uma coleção invejável de lenços, cachecois, luvas e chapéus, apesar de raramente usar. O princípio é sempre o mesmo: ter tudo aquilo de que irei precisar, à mão, de reserva para um dia de chuva. Vocês percebem. Não?

 

Isto leva-me à minha mais recente obsessão: armazenar leite materno. Mas Mia, falta-te leite? Vais sair e deixar o miúdo com alguém? Vais voltar ao trabalho? Estás a antecipar morrer? Não, não, não, e credo, não!

 

Sou parva. Quero armazenar leite porque sim. Porque pode dar jeito. Porque pode fazer falta. Porque... sei lá!

 

Sucede que não tenho assim tanto leite. As minhas skills de vaca leiteira deixam muito a desejar, sou uma vaquinha fraquinha fraquinha, e apesar de produzir o necessário para este texuguinho estar a crescer a olhos vistos, não consigo encher sequer um biberão por dia se tirar com a máquina. Algo que me preocupa e francamente chateia. Apesar de não precisar. Apesar de ser só uma mania parva. Apesar de nem sequer conseguir vislumbrar uma situação próxima para a qual necessitaria de leite extra. "Tens é demasiado espaço no congelador", estarão vocês a pensar. É provável que sim. Mas antes enchê-lo de leite do que ocupá-lo com gelados...

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Continuando no tema da mama

por Mia, em 23.06.17

Não sei se dá para reparar, mas é mesmo um assunto que me mexe com os nervos.

 

Conheço uma pessoa que embarcou numa depressão pós-parto porque não conseguia amamentar. Culpo a nossa sociedade, e acima de tudo os nossos profissionais de saúde, por isto.

No hospital, somos ensinados que não há outro caminho que não a amamentação. Que não podemos desistir. Que é a única forma de o nosso filho criar vínculo com a mãe. Que temos que gostar. Que uma mulher é menos mãe se não amamentar. Não se coloca a hipótese de a mãe não conseguir, de o leite ser fraco, de o bebé ou a mãe não o poderem fazer, ou - heresia - de a mãe não querer.

A nossa lei não permite a publicidade a leite artificial - porquê?! Quando foi que voltamos à época da censura? Quem foi que decidiu que esse assunto é tabu e não se pode falar sobre ele sob pena de as nossas crianças ficarem todas subnutridas?

Há tempos fui a um workshop de amamentação, e a responsável pela marca que patrocinava o evento explicou-nos que não nos podia mostrar os biberões e chupetas da marca porque eram "amigos da amamentação". Portanto, eu posso passar uma hora e meia a ver exemplos práticos de como utilizar todos os modelos de bomba de extracção de leite, fazer testes a discos de amamentação, experimentar creme para mamilos gretados... mas não posso ter noção de que existe um plano B se as coisas não correrem tão bem? Faz algum sentido? Como é que uma marca "amiga da amamentação" não é uma marca amiga do bebé? Como é possível defender que é preferível uma criança chorar horas a fio do que utilizar uma chupeta? E quem diz marca diz hospitais, médicos, enfermeiros. Que espécie de profissionais são estes que parece que têm palas nos olhos e não admitem soluções alternativas quando as ditas ideais não estão a fazer bem ao bebé ou à mãe?


A minha amiga nunca foi uma extremista da mama, assim como eu não sou. Mas interiorizou que seria o melhor para o seu bebé, e mentalizou-se de que o faria, no mínimo, pelo tempo recomendado pela OMS. Quando a criança nasceu, não mamava. As enfermeiras tentaram ajudar, corrigiu-se a pega, desfizeram-se as pedras causadas pela subida do leite, comprou-se uma bomba, tentou-se de tudo. E o bebé perdia peso a olhos vistos. Não dava. A insistência estava a por em risco a saúde do bebé, e ela foi forçada a desistir, e enterrou-se num buraco de desespero profundo. Porque toda a gente lhe apontava o dedo. Porque era péssima mãe. Porque não fez o que era suposto. Porque não foi suficientemente boa para o filho dela. Aquele que tinha tudo para ser o momento mais feliz da vida dela foi negro, marcado pelo falhanço, pela insegurança e pela solidão.


Gritamos aos quatro ventos que as mulheres devem ser livres de fazer o que quiserem com o seu corpo. Defende-se, por exemplo, o aborto como opção válida em qualquer circunstância, e qualquer pessoa que questione o porquê ou verbalize qualquer julgamento de valor é um insensível para com a mulher, o corpo é dela e ninguém a pode obrigar a gerar uma vida. Mas obrigar a amamentar é aceitável?

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Eu explico.

por Mia, em 22.06.17

O único argumento que aceito e que me leva a planear amamentar o meu filho é o factor nutricional e as defesas que ele vai obter através do meu leite, nos primeiros meses de vida. Ponto final. Não acredito que uma criança, depois de estar nove meses dentro da barriga da mãe, precise que se lhe enfie uma mama na boca para criar um vínculo com ela. Acho que dar amor e dar mama não são sinónimos. Parece-me absurdo que se permita que uma criança faça da mama uma chupeta, e abomino as teorias das mães que amamentam até a criança ir para a escola. Acho ridículo, e acredito piamente que após uma certa idade, essa dedicação à mama não é pela criança, mas pela própria mãe. E isso parece-me sintoma de outros problemas bem mais profundos.

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Ainda na aula sobre amamentação aprendi que devemos amamentar sempre e nunca desistir, dê por onde der. Mamilos gretados e ao dependuro? Continuem a amamentar. Mastites? Continuem a amamentar. Sangue e lágrimas a escorrer-vos só de pensar na hora da mama? Não desistam. A criança tem dentes? Continuem a amamentar. O puto come de garfo e faca já? Mama em pé? É continuar sempre a amamentar, é a melhor bênção da vida e a única forma de o vosso filho vos amar.

 

Fundamentalistas da mama, adoro 

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O palhaço já saiu (a criança nasceu entretanto) mas foi prontamente substituído por outro. A aula sobre amamentação foi um fartote, com o cromo a desfazer-se a rir sempre que a enfermeira dizia coisas como: "mamilos duros", "apertar bem a mama", "mamas gigantes" e afins.

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