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Depois de 10 anos a conduzir o meu velhote - amor de carro, nunca me deixou na mão, mas já levava 250.000km no lombo e uma segurança duvidosa - em Janeiro comprei um carro novo...

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... que está parado na garagem há dois meses.

 

 

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Quando a quarentena começou, refugiei-me na comida e no conforto de estar em casa. Nunca estive sem trabalhar, tenho até maior carga do que anteriormente, mas havia sempre tempo para um docinho, um bolo, umas tapas, um chocolate. Apesar de não se reflectir no peso e até estar mais leve, rapidamente percebi que aquele nível de lontrice iria ter consequências pesadas.

De modo que deitei mãos à obra. Subscrevi o programa LesMills on demand e em março treinei 3 a 4 vezes por semana. Comecei a ver a balança subir, mas a fita-métrica a apertar, e, mais do que isso, os ataques de pânico a diminuir e um maior bem estar, de forma geral. Mas não chegava. Sou teimosa como uma mula, e assumi o auto-desafio de terminar a quarentena melhor do que comecei. O meu "quarentena body" havia de fugir à regra dos gordos da quarentena.

Em abril, estabeleci a meta dos 20 treinos, e cumpri 22. Estava lançada, as diferenças começavam a ser visíveis, os treinos começaram a ser mais demorados e a contemplar outras áreas. À medida que o corpo ia respondendo, comecei a achar que era importante tratar também a mente e incorporei uma vertente de pilates no final de cada treino. E foi assim que dei cabo de tudo.

Adoro pilates e exercícios de flexibilidade, mas odeio, com todas as minhas forças, sun salutations. E aparentemente o ódio é recíproco. Numa passagem a prancha, senti um pequeno esticão no trapézio. Ignorei porque não doeu assim tanto, continuei o treino. Ao tomar banho, baixou em mim aquela enxaqueca básica: pontos de luz, visão cortada, seguidos de dor de cabeça localizada, enjoos, enfim. Deitei-me pouco depois das 21h, e acordei na manhã seguinte ainda com dor de cabeça, e agora também no ombro. Esta última foi piorando. O trapézio inchou, a dor alastrou ao braço, pescoço, costas, cabeça. Mais um dia, e piorou novamente. Comecei a ver a vida a andar para trás. Não queria ir às urgências, porque pandemia, fiz teleconsulta. Anti-inflamatório de 8h/8h, e uma dor que não passava por mais de 6h seguidas. Rendi-me às evidências e rumei ao hospital - e isso dá "sumo" para um post inteiro. Mais uma catrefada de medicação, diagnóstico de trapézio distendido e de volta a casa. Estou finalmente melhor, mas com ordem de descanso e não fazer esforços. E o que me enerva mais é que não vou conseguir cumprir o auto-desafio de 25 treinos este mês (parei nos 2). Creio que, para além do trapézio, também tenho a cabeça estragada.

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publicado às 11:57

Voltei voltei, voltei de lá

por Mia, em 03.01.20

Kind of. Sei lá se voltei. Arranjei uns minutinhos e vim aqui, pronto. Vamos ver se isto é uma coisa regular ou se fico outra vez meio ano sem cá por as patinhas.

 

Ainda há alguém por aí? Estão todos benzinho? 

 

Nós também, obrigada. Pois que 2019 foi um ano cheio e volto carregadinha de histórias para contar e cada vez com menos tempo: monstrinho fez 2 e fizemos grande festarola; casamos a 31 de Agosto (5€ por cada piadola do melhor dia para casar ser o 31 de Julho e estava rica) e oh, que bela festa se fez, toda a gente de quem gostamos, farra até de manhã, ressaca de dois dias - mas isso agora não interessa nada; batizamos o monstrinho também, e que bem que se portou; e esse piqueno que está cada dia mais fofo e cheio de habilidades novas: anda, fala, canta, dá beijinho, tem imensas opiniões, oh, os posts que tenho por escrever; parti o telemóvel pela terceira vez e agora sinto uma estranha empatia com o Conan, além de que estou um pequeno balúrdio mais pobre, mas oh, bebé lindo de sua mãe, que é tão fofo, se parto este até choro; trabalhinho também há, do bom, para dar e vender, 2019 trouxe uma promoçao daquelas em que a pessoa ganha mais trabalho e pronto, estamos conversados - muito giro, muita realização pessoal, muito crescimento hierárquico, mas carcanhol que é bom é que não. Fomos de lua de mel para um resort daqueles amigos das crianças - best birth control ever - minha nossa senhora que há criaturinhas tão selvagens e eu olho para o meu e até me benzo três vezes. Dramas familiares para dar e vender - o prato do dia, quem nunca? Agora para terminar o ano, a meretriz da Elsa achou giro presentear-nos com alguns estragos cá por casa - fofinha, mas nada de grave, estamos todos vivos e de saúde, que no fundo é o que se quer.

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Uma espécie de intervenção

por Mia, em 31.01.19

Desde que me lembro de existir, que sempre foi "aceitável" que as pessoas presentes na minha vida comentassem o meu corpo.

 

 

Até à adolescência era normal ouvir críticas por ser magra. Com o início da puberdade, comentários às minhas novas formas eram o pão nosso de cada dia, de tal forma que, à minha entrada na universidade, com 1,63m e 50kg, achava que era gordíssima e tinha toda uma panóplia de complexos. No início da minha vida adulta tive uma depressão e um esgotamento e vi na comida um refúgio, que me custou uns 20kg a mais. Sim, vinte. Nessa altura, comentários sobre o meu corpo eram um fartote. Não importa o que estás a passar, se está a ser complicado, se te vão magoar. Toda a gente tem uma opinião sobre o teu aspecto, e não se coíbem de ta dar.

 

 

Por outro lado, não raras vezes, ao tentar comer melhor fui brindada com o clássico "tens a mania das dietas". Também a prática de exercício físico nunca foi convenientemente incentivada durante o meu crescimento, e ainda hoje quando comento coisas como: "levantei-me às 6h para ir ao ginásio antes de ir trabalhar", levo com críticas (não tens mais nada para fazer? credo!). No ano em que decidi tomar as rédeas do meu corpo e perdi 15kg, foi como se tivesse aberto a caixa de pandora. De repente, até pessoas com quem não falava assim tanto vinham ter comigo para saber o que fiz e me informar de quão mal eu estava antes. Adorável.

 

 

Olhando para trás com olhos de mulher adulta, consigo hoje perceber a confusão que isto cria na mente impressionável de uma criança/adolescente, como não? 

 

 

Arrisco dizer que todas as mulheres - ou a esmagadora maioria - em algum momento já se sentiram descontentes com o seu aspecto físico como resultado de um comentário externo. Todas nós já o sofremos na pele. Então porque é que continuamos a perpetuar esta cultura em que comentários ao nosso corpo são normais? Porque é que são tantas vezes os próprios pais a referir-se aos seus filhos como tão bonitos, ou pior, os MAIS bonitos, como se isso fosse controlável (somos como nascemos, lamento), como se fosse uma competição, como se isso fosse importante, como se isso de alguma forma definisse os nossos filhos. 

 

 

Não entendo como é que vivemos estas situações, e depois guiamos os nossos filhos no mesmo caminho. Temos obrigação de ser melhores. De aprender com os nossos erros e com os erros que cometeram connosco. De os preparar para a vida, sim, de fazer deles a melhor versão de si próprios, absolutamente. Mas também de relativizar e dar valor ao que realmente importa.

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Story of my life.

por Mia, em 11.06.18

Quem nunca foi às compras de óculos de massa, cabelo apanhado num coque, carregando orgulhosamente um pack de papel higiénico e depois deu de caras com o ex nas escadas rolantes, que atire a primeira pedra.

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Estava a ser um belo dia até que

por Mia, em 05.06.18

- D. Mia, por acaso costuma abrir as janelas à noite?

- Nem costumo, mas ontem abri com os estores fechados para arejar a casa.

- Pois, é que acabei de matar uma lagartixa.

- Dentro de casa?

- Sim.

- Em que divisão?

- No seu quarto.

- No meu quarto... onde eu durmo?

- Sim.

 

Se não foi desta que desisti da casa, acho que é para a vida.

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Temos muita sorte

por Mia, em 31.05.18

É em dias como hoje - feios, cheios de germes, e mais desanimadores - que uma pessoa tem que parar para pensar na sorte que tem na maior parte do tempo.

 

Que sorte temos de o monstrinho ter ficado doente pela primeira vez "só" quase com 10 meses. Que sorte temos de ter a facilidade de ficar a trabalhar de casa (às vezes os dois) e não ter que o enfiar no infantário quando precisa de mimo, ou ser penalizados no salário por cuidar de um filho. Que sorte temos de ter uma família próxima e preocupada, sempre disposta a ajudar. Que sorte temos de poder levá-lo ao pediatra sempre que precisa, comprar-lhe medicamentos sem ter que fazer contas à vida. Que sorte temos de viver numa casa confortável onde ele tem todas as condições para recuperar da melhor forma. Que sorte temos com esta criança fantástica que, ainda que doente, continua a comer bem, a tentar sorrir, a dormir tranquilamente.

 

Há dias piores do que outros, nem sempre é fácil, mas mesmo no mal, é preciso saber reconhecer o que temos de bom. E eu estou grata, tão grata pela minha vida que quase me sinto mal de me queixar.

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Da vida

por Mia, em 06.05.18

Há exactamente dois anos atrás, passava o pior dia da minha vida. Hoje, festejo o meu primeiro dia da mãe. Bem jogado, universo, bem jogado.

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O romance foi o que fodeu isto tudo. A vida era boa, eu estava feliz, os passarinhos cantavam e o sol brilhava. Ou assim parecia na minha cabeça.

 

Desde o primeiro mês após o parto que tomo a pílula de amamentação. "Dra, mas isto é um contraceptivo como outro qualquer?" "É sim, não se preocupe". E não me preocupei, pois está claro. Monstrinho deixou de mamar ia eu no início de uma caixa, e decidi levar até ao fim, evidentemente. E depois um dia tive uma coisa que não interessa falar num blogue assim em bom como este, mas vá, chamemos-lhe um inconveniente intestinal, daqueles que cortam o efeito da pílula, mas quem é que pensa nessas merdas?

 

Passam uns dias, sei lá, uma semana e uns trocos, e estou eu em casa tranquilamente a ver fotos quando sinto aquela dorzinha básica no útero. Ora, contextualizemos: há duas coisas que me levam a sentir esse tipo de dor - ou estou naquela altura do mês, ou estou grávida. Oh que diabo. É que, não sei se vocês sabem, mas a pílula de amamentação inibe a menstruação.

 

Tudo a suster a respiração desse lado? Daqui também.

 

Passo então a tarde toda com dores - de útero e de alma. Mas que raio, na volta é algum desarranjo aqui por todas as alterações hormonais, sei lá eu. Ao fim do dia, uma ou duas gotinhas de sangue. Não sei se estão todos familiarizados com o conceito de sangramento de implantação, mas se não estão, ide procurar. Vá, eu espero.

 

Todos a bordo?

Daqui também, com o bónus de, neste momento, já termos uma Mia em pânico a pensar que se calhar há mais um a bordo e isso não estava mesmo nos planos.

Conto ao homem e instalo o caos, evidentemente. Dias de pânico, drama, horror. Ele, que dias antes tinha proferido a frase "se não fosse um risco para a tua saúde eu gostava de ter outro filho já", descobriu que afinal se calhar não gostava assim tanto que fosse já já. Eu, que andava com saudades da barriga e de um bebé pequenino, descobri que se calhar não eram assim tantas saudades que não pudessem esperar dois anitos.

 

Faz um teste, repetia ele incessantemente, mesmo que lhe tenha explicado 2573 vezes que mesmo se estivesse grávida, era muito cedo para um teste dar positivo.

 

Daí a uns dias tinha consulta de rotina na ginecologista, pensamos então esperar até lá. Entretanto, dias de pânico, não sei se já disse. É que entre o parto e a amamentação, eu recuperei o poder sobre o meu corpo há cinco minutos, e já vem outro pequeno ditador tomar posse?? E vocês já pensaram bem na logística de ter duas crianças com um ano e pouco de diferença?! Compram-se dois trocadores? Dois carrinhos? E partilham quarto, ou nem por isso? Ai valha-me Deus o que fomos nós fazer.

 

Contei a uma amiga que só se ria e dizia: ai monstrinho que tu dás demasiado tempo livre aos teus pais. Muita piada.

 

Chegado o dia da consulta, claro, grávidas aos magotes na sala de espera. Começa-me a dar aquela nostalgia. Começo a pensar que se calhar nem é assim tão dramático.

Entro no consultório e começo a explicar a historinha  toda. A cada nova coisa que eu dizia, a Dra. fazia aquela cara de "estás tão fodida". Explicou-me que seria melhor fazer exame de sangue, porque a ecografia tão cedo poderia não ser conclusiva, mas teria de esperar até ao fim do dia pelos resultados.

 

Tudo bem. Mais uma picadela, mais uma voltinha, e vai a Mia para casa aguardar pela chamada com o resultado enquanto pensa que se calhar até não é assim tão mau ter mais um monstrinho agora.

 

Três da tarde o telefone toca:

- estou, Mia? Boas notícias. Não está grávida.

- que bom, obrigada.

 

E agora estou aqui, um bocado triste, porque sei lá, sou parva.

 

 

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Ao primeiro raio de sol, o homem sai-me de casa de mangueira em punho, tira os resguardos da mobília de jardim e limpa tudo para "começarmos a tomar o pequeno almoço lá fora". No dia seguinte estava a chover.

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publicado às 15:21

O que se bebe com castanhas quando o vinho tinto está off limits?

castanhas.jpg

Bom São Martinho, para quem pode!

 

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O homem regressa hoje ao trabalho, depois de na última semana ter gozado os dias de licença parental inicial que lhe restavam. Não é novo para mim estar sozinha em casa com o monstrinho: o pai já tinha regressado ao trabalho desde o início de Setembro e já estávamos habituados. Mas esta última semana foi maravilhosa. Não fizemos "nada de especial": passamos tempo em família. Com todo o resto do mundo a trabalhar, tiramos estes dias só para nós. Fomos às compras, almoçamos fora, jantamos fora, ficamos em casa. Passamos manhãs a preguiçar na cama e noites abraçadinhos no sofá a ver novela e séries. Dividimos as birras, os cocós e as arrumações. Visitamos família e recebemos amigos em casa. Cozinhamos juntos, conversamos, fizemos palhaçadas. Cantamos para o monstrinho, pegamos um com o outro e rimos muito. Ele desenvolveu uma adoração pelo pai, e o ar fascinado com que olha para ele é qualquer coisa de delicioso. Vivemos (quase) sem horários. Já aqui disse antes: preciso de ficar rica. Não tenho sonhos megalómanos nem quero viver uma vida louca. Queria "" ter todo o tempo do mundo para viver a minha família.

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Choque.
Drama.
Horror.


Calma. Eu adoro os meus bichos, não me vou ver livre deles nem assá-los com batatinhas, sosseguem. Também sei que daqui por uns tempos isto já me passou.


Estou só cansada.


Cansada de ter a casa cheia de pêlo. De não poder por o ginásio do miudo no chão. De ter que arrumar sempre a espreguiçadeira, a almofada de amamentação, a manta, e tudo o que poderia simplesmente ficar pousado no sofá sob pena de virar costas e ter um gato a dormir lá em cima. De nada poder cair ao chão/no sofá/em qualquer sítio sem ficar logo revestido de três milhões de pêlos. De ter constantemente dois gatos a correr pela casa feitos tolos e me acordarem o miúdo. De ter uma gata maluca que se atira - literalmente - para o cesto do carrinho dele. De ter um gato carente que me faz birras e chora se for preciso durante horas até que eu lhe dê atenção - quem diz que os gatos são independentes devia levar com um nas trombas. De ter areia malcheirosa ainda que seja mudada todos os dias, pedacinhos de areia por todo o lado e ainda vómito ocasional.


Estou exausta de ter dois animais que exigem cuidado e atenção constantes, em cima do cansaço que é ter um bebé de dois meses em casa. Provavelmente isto acabará por passar, se calhar quando gatos e bebé puderem conviver alegremente a coisa será mais simples, mas hoje afirmo com toda a certeza: depois destes, não quero mais animais em casa.

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O aborto, esse bicho papão

por Mia, em 15.06.16

Sei que este assunto já enjoa aqui pelo blog.
Nunca gostei muito das pessoas que se definem por aquilo que lhes acontece: eu tive um aborto mas sou mais do que a pessoa que perdeu um bebé. Eu continuo a ser a Mia, o aborto foi algo que me aconteceu e que, inevitavelmente, marcou a minha vida, mas eu sou mais do que uma má experiência. Feita esta pequena introdução, sinto a necessidade de, por mais um bocadinho, continuar a falar sobre o assunto. Prometo que não me demoro.

Desde o início da gravidez (ou até antes), somos formatadas para ter cautela. Não falar muito do assunto. Não contar a ninguém. Toda a grávida tem aquela meta das 12 semanas, altura em que já passou o pior, já "podemos" começar a contar (baixinho!) às pessoas mais próximas, já podemos respirar de alívio... mas será mesmo assim? Quantas mães acham, realmente, que vai acontecer alguma coisa má nessas primeiras 12 semanas? Toda a gente sabe que essas coisas só acontecem aos outros. Quantos casos de aborto conhecemos, na realidade? Há aquela amiga, aquela colega, a cunhada da prima... e pouco mais. Então, se pela nossa vida passam tantas grávidas, e apenas dois ou três casos de perda, não há de ser uma coisa normal, não há de nos acontecer a nós.


E depois acontece.


Não vou discorrer aqui sobre toda a misturada de sentimentos que uma mulher vive numa altura como esta, até porque não sei de todas as mulheres, sei de mim. Hoje vou falar de um pensamento específico, que me atormentou durante semanas: há qualquer coisa de errado comigo.

 

Despistadas todas as teorias sobre "onde é que eu errei" - em lado nenhum, era uma anomalia congénita, diz a vozinha sensata na minha cabeça - começam a soar os alarmes. Porque isto não é normal. Porque não acontece a mais ninguém. Porque para acontecer uma coisa destas, é porque algo está muito errado. Pode estar, claro que sim, não vou estar aqui com falinhas mansas.
O facto de sermos socialmente formatados para esconder um aborto, a meu ver, transforma-o num bicho estranho e assustador, cria uma aura de medo e pânico em torno de algo que, infelizmente, é normal.

 

Lia, há semanas, o testemunho de um pai que passou por uma situação semelhante, em que ele dizia qualquer coisa do género: quando perdes um familiar, um amigo, um cão, toda a gente sabe, as pessoas compadecem-se da tua situação, dão-te apoio e carinho. Quando perdes um bebé ninguém sabe, afinal, vais chorar publicamente a morte de uma pessoa que ainda não existia?
Este tabu, esta necessidade de esconder a situação, faz com que, aos olhos do mundo, ela nunca tivesse acontecido. Então, quando acontece connosco, sentimo-nos uma ave rara e, logicamente, algo só pode estar muito errado, porque "não é normal".


Esta ideia consumia-me. Andei semanas a martelar mentalmente no mesmo assunto: os médicos dizem que é comum, que acontece, que não é assim tão estranho... mas então porque é que não se ouve falar disso? Não sei se se nota, pelo que escrevo, que posso por vezes deixar-me absorver em demasia pelos meus pensamentos. E este andava em loop na minha cabeça. Um dia, resolvi fazer uma lista de pessoas que conhecia que tinham passado por um aborto. Contei 11. Onze pessoas das minhas relações já passaram pelo mesmo que eu, e dessas onze apenas duas não são, ainda, mães.

 

Se calhar não sou assim tão anormal.

Se calhar não é o fim do mundo.

Se calhar as coisas ainda podem correr bem.

 

Mas então, se é uma coisa assim tão comum, porque é que não se ouvem relatos daquelas pessoas famosas que nos entram pelos olhos todos os dias? Uma pesquisa de dois minutos deu-me uma lista de 50 celebridades que já tiveram um ou mais abortos. CINQUENTA!!

Assim de repente, contei 61 pessoas que já passaram por isto, e, de alguma forma isso trouxe-me conforto. Não me interpretem mal, não me consola saber que o mal que eu vivo já aconteceu a alguém, mas antes comprovar que, efectivamente, o aborto... acontece!

O aborto é uma coisa comum. Não acontece só aos outros. Sei que para algumas mulheres falar é bom, enquanto que outras se sentem melhor resguardando-se e guardando para si e para os seus. Mas noto que a sociedade nos condiciona a mostrar apenas o lado bonito da gravidez, e a esconder os "podres". E talvez, só talvez, falar mais sobre o assunto pudesse ser uma mudança positiva.

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Deixar ir

por Mia, em 07.06.16

Se há coisa que acho aprendi nestes meus quase trinta anos foi a deixar ir as pessoas. Não quero mais gente tóxica na minha vida, nem me esforço por manter quem não quer ficar. Uma relação, qualquer que seja, não tem que ser penosa. Não quero pessoas que estão sem estar, pessoas que tenho que tratar "nas palminhas". "Amigos" que se chateiam com pintelhos e nem se dignam a avisar, obrigando uma pessoa a adivinhar o que raio lhes vai na mente. Aprendi que, não raras vezes, o problema é de quem se aborrece assim, dos seus complexos e infelicidades.

Querem ir? pois que vão. Querem voltar? Façam o favor. Só não me chateiem muito.

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Passamos o dia a desinfestar a casa. Bichos desparasitados e trancados na varanda, tudo o que podia ir à máquina enfiado em sacos pretos para ser lavado a 40º, casa limpa, spray anti-pulga em todos os cantos, uma canseira. Não reclamou uma vez. Não se queixou do facto de eu ter trazido os animais para casa, sacanas que já o conquistaram e ele nem gostava de bichezas. Não insinuou que provavelmente foi esta minha mania de mexer em tudo o que é vadio, a causa da infestação. Fez o trabalho mais sujo, o mais pesado, e nem pestanejou.

Ao fim do dia fui ao pé dele e abracei-o, enquanto pensava na sorte que tenho por ele existir. Nesse exacto momento, ele diz-me ao ouvido: "ao menos temo-nos um ao outro".

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"Agora tens que resolver este problema e partir para outra"

"Não tarda nada já tens outro"

"Que chatice isso ter ficado aí"

"É pena, mas pronto, bola para a frente"

"Foi só um percalço, ainda és tão novinha!"

"Quanto mais depressa resolveres isso melhor"

 

Mas será tão difícil de entender que "este problema", este "percalço", "isso", foi durante mais de dois meses o meu bebé? Que não foi um rebuçado que me caiu ao chão mas não faz mal porque a seguir compro outro e está o problema resolvido? Que ter estado dias com o meu filho morto na barriga não foi "uma chatice", mas sim a tortura mais excruciante pela qual já passei na minha vida?

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Mas a frase "vocês ainda são tão novos!" não me traz consolo. Quanto muito enraivece-me, pelo o facto de utilizarem a minha idade para tentar menosprezar a minha dor.

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