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Amamento o pequeno monstrinho exclusivo. Excepção feita para uma vez que lhe deram suplemento, ainda no hospital, tem sido sempre assim. E é tudo aquilo que imaginei que seria: nada de especial.
Como assim nada de especial? Amamentar é um momento único, um vínculo entre mãe e filho... BA-LE-LAS. Não sinto que a minha relação com o meu filho seja mais especial porque lhe dou mama. É que nem um pouco.
Mas comecemos do início.
Depois de ele nascer, quando me levaram para o recobro, veio uma enfermeira por o menino à mama. Não foi difícil, não foi mau, foi... estranho. Começou por ser estranho vir uma pessoa e, sem perguntar, informar-me que ia dar de mamar ao miúdo. Foi estranho quando ela me pegou no mamilo e o enfiou na boca do puto para fazer a pega em condições. Foi estranha a sensação de estar a alimentar um bebé. Mas tudo bem. O pior estaria para vir.
No início, o bebé tem que comer de 2 em 2 ou 3 em 3 horas. Sem desculpas: mesmo que ele esteja a dormir, acorda-se. E isto é extenuante. Eu não sabia nada. Logo eu, que me tento informar sobre tudo e mais um par de botas, tinha ali uma lacuna tão importante. Não sei se assumi que a coisa se daria naturalmente, ou se simplesmente não pensei muito sobre o assunto. Não sabia nada sobre amamentação. E de repente tinha mil perguntas. Em que posição haveria de amamentar? Como saber se ele estava a mamar bem? Como saber se era suficiente? Tenho mesmo que o acordar? E se demorar 3h e 10 minutos entre mamadas, mato a criança?
Dramático, vocês sabem lá.
Parece exagero, mas juntem a isto um choque hormonal, as dores do pós-parto e emoções à flor da pele, e vão ver que dá um cocktail explosivo.
Os enfermeiros, mais uma vez, foram impecáveis comigo. Tive a sorte de me calhar na rifa um bebé que já nasceu a saber mamar, e uma equipa médica com paciência infinita. Ajudaram-me a encontrar a melhor posição para mim. Ensinaram-me a ver se ele estava a mamar em condições pelo formato da boca e barulhos que ele fazia. Explicaram-me que, estando a comer em condições, o bebé faria um xixi depois da refeição. E não, 10 minutos a mais não matam a criança (mas convém não abusar).
Mas a coisa não estava fácil. Amamentar dói. Muito. Quem vos disser o contrário está a mentir. Se na primeira noite já tinha os mamilos doridos, na segunda a coisa tinha piorado MUITO e já tinha feridas. Estava a por lanolina entre mamadas e discos de amamentação, mas não via progressos. Ao questionar o que fazer, a resposta era sempre a mesma: é normal, melhora depois de o mamilo ganhar calo. Ganhar. Calo. WTF.
A segunda noite não foi fácil, falei-vos disso aqui. Entre a primeira e a segunda noite, o miúdo não urinava. Lembram-se de ter dito acima que "estando a comer em condições, o bebé faria um xixi depois da refeição"? Pois. Soaram imediatamente todos os alarmes e entrei em pânico. Que eu ia matar a criança à fome. Que espécie de mãe sou eu? Sugeriram-me dar-lhe suplemento depois da mama e ver se ele queria. Mamou, e depois bebeu um bocadinho de suplemento, quase nada. Não quis mais. Passou a noite agitado e com cólicas.
No dia seguinte, urinava normalmente. Por indicação dos enfermeiros, não demos mais suplemento, para ver como é que ele reagia. Mamava, fazia xixi, dormia. Parecia estar tudo bem. Já eu, estava cada vez pior. O homem dizia que sabia quando ele tinha começado a mamar porque, invariavelmente, eu gemia. Acho que ele não reparava que, além disso, os olhos se me enchiam de água.
Na terceira noite estava exausta, abatida e com os mamilos em sangue. Sugeriram-me "saltar" a primeira mamada da noite e descansar, deixando que lhe dessem antes suplemento. Não quis. É engraçado como as coisas são: nunca fiz questão de amamentar, nunca fui contra dar leite artificial, nem nunca tive vocação para mártir. Mas naquele momento só me vinham à cabeça as cólicas que o suplemento lhe tinha causado na noite anterior. Não queria que o meu filho sofresse, mesmo que me estivesse a custar horrores, e por isso continuei.
Fomos para casa, com a recomendação de que não me preocupasse quando se desse a subida do leite. Que ficaria com o peito inchado, teria dores, poderia até ter febre, mas era tuo normal. Nunca aconteceu. Até hoje, não sei o que isso é. Não dei pela subida do leite - se calhar porque já tinha tantas dores que camuflaram essas?? - e só me voltei a lembrar disso quando, semanas depois, alguém me perguntou se tinha custado muito.
Aos cinco dias pós-parto, fomos ao centro de saúde fazer o teste do pezinho. Continuava com os mamilos em ferida, dores intensas, e pior: por causa disso, nesse dia o monstrinho tinha bolçado leite misturado com sangue e eu estava, claro, em pânico. Procurei a enfermeira especialista em amamentação e expus as minhas dúvidas. Recomendou-me que trocasse o creme de lanolina que tinha pelo da medela. Sugeriu-me que comprasse as conchas, para evitar que os mamilos tocassem no sutiã ou discos e assim pudessem sarar. Aconselhou-me também os pensos de hidrogel, para curar as feridas. Também sugeriu que apanhasse sol nas mamas, mas a sério, quem tem tempo para ir fazer topless para o sol quando tem um recém nascido em casa?! Saí do centro e fui comprar tudo. E salvou-me a vida, principalmente os pensos de hidrogel. Em menos de uma semana, deixei de ter feridas, e, efectivamente, ganhei calo. As conchas também foram bastante úteis, ainda que sejam tremendamente desconfortáveis. No início usava sempre durante o dia, agora uso apenas quando estou mais dorida.
Entretanto, e porque amamentar de 3 em 3 horas durante a noite me estava a matar, compramos a bomba e comecei a tirar leite. Tiro um biberão para dar à noite e assim aquela mamada das 3h ou 4h da manhã não custa tanto - é muito mais rápido dar biberão. Além disso, desta forma o pai também pode alimentar o bebé, permitindo-me descansar um bocado. Tirar o leite também se revelou bastante útil quando temos algum compromisso que colide com a hora da mama. É muito mais simples e rápido dar o biberão.
Juntamente com a bomba, compramos também um biberão "amigo da amamentação", que obriga o bebé a esforçar-se para mamar, mas também já experimentamos outros e funcionou de igual modo.
Então e agora?
Agora as coisas estão mais fáceis, claro. Já não doí, já não tenho feridas, e já não custa tanto - o que faz com que às vezes tenha dúvidas sobre se estou a fazer bem as coisas. Mas o monstrinho cresce a olhos vistos, faz xixi como gente grande, e também não está mal ao nível do cocó, portanto acho que está tudo bem.
Mas se pudesse, parava já de amamentar.
Já nem é a questão de ser dona das minhas próprias mamas: quando uma mãe amamenta, não há lugar para pudores. É engraçado como as coisas se alteram: essa questão nem surge na nossa cabeça. Se a criança está a chorar e tem fome, a mãe saca da mama e dá-lhe. Eu, pessoalmente, não me sinto à vontade para o fazer em público, nem nunca tive até ao momento a necessidade de o fazer. Procuro um "cantinho da amamentação" ou se estiver na casa de outra pessoa peço para ir para um quarto. Mas se estou num sítio qualquer a dar de mamar ao meu filho e entra alguém... caguei. Incomoda-me que invadam a nossa privacidade, mas não tenho qualquer tipo de pudor por estar de mamas ao léu. E isto é verdadeiramente surpreendente, em mim - sou pessoa muito reservada no que toca às minhas maminhas.
Mas dizia eu, não é a questão do pudor, é mesmo porque não é prático. Amamentar é demorado. É desconfortável para as costas. Exige toda uma logística que não é simples: procura um canto mais recatado; um sítio onde sentar, preferencialmente com suporte para braços; uma almofada para elevar o puto (nem me façam falar sobre a fraca qualidade das almofadas que as pessoas, no geral, possuem); protege a almofada com uma fralda de pano; protege a roupa com uma fralda de pano. Ah sim, e a roupa? Vamos falar da roupa? Esquece camisolas fechadas. Vestidos nem pensar. Ou vais tirar o vestido no meio da rua se tiveres que sacar da mama? Pois. Não era mil vezes mais simples levar o leite em pó previamente doseado, juntar água e dar o biberão em 5 minutos? Era.
Mas não é tão bom para o bebé.
Por isso continuamos, claro. E continuaremos a amamentar em exclusivo até aos seis meses, salvo impedimento não planeado. Ora bolas.
Simples. É fazer sestas quando conseguirem. No prazo de uma semana hão de ter dormido as tais oito horas. Se correr bem.
Não tenho coragem de dizer isto a ninguém, porque não quero juízos de valor, porque não quero que me enumerem as coisas boas que a vida tem, porque talvez verbalizar este receio o faça ser mais real. Mas posso dizer aqui, que ninguém nos ouve, baixinho. Sei que não contam a ninguém. Tenho medo de ter uma depressão pós parto.
Sei que a vida é bela. Sei que tenho muita sorte, que correu tudo bem mesmo quando podia ter corrido mal. Que tenho um bebé espectacular, saudável, calminho e lindo nos braços. Que tenho ao meu lado um homem que não é perfeito mas anda lá perto. Que estou a recuperar bem. Que tenho família, amigos. Que tenho saúde. Que a vida me corre bem. Então porque me sinto assim?
Quando, ainda no hospital, desabei a chorar na segunda noite, culpei as hormonas. Conversei com os enfermeiros. Culpei o baby blues, as dores, as drogas, os mamilos em sangue, o cansaço, o excesso de visitas. As coisas melhoraram, mas não voltaram ao normal - será que algum dia voltam?
Estou a ter problemas em ajustar-me. Há uma parte de mim que paralisou, sinto que há momentos em que não sou uma pessoa, e nunca estou plenamente feliz, mesmo sem entender porquê. Não consigo deixá-lo sozinho mais do que uns minutos sem entrar em stress. Não consigo não acordar quando ele acorda, ainda que o homem se ofereça para tratar de tudo, não consigo. Não consigo descansar plenamente. Não consigo fazer nada sem a sensação de tempo contado e limitado ou o peso da culpa por não estar com o bebé. Sei que é normal, ele tem pouco mais de duas semanas, sei que é suposto eu viver para ele nestes primeiros tempos, mas tenho medo de me afundar nesta pessoa que estou a ser.
Os números não enganam, a depressão pós parto afecta 10 a 20% das mulheres. Normalmente é diagnosticada quando o blues inicial se prolonga para além do primeiro mês. Mas por outro lado este estado depressivo inicial é "suposto" durar duas semanas, dizem os livros, não mais do que isso. Então porque me sinto assim?
Tenho histórico depressivo na minha vida. Há alguns anos deixei-me afundar até um ponto ao qual nunca mais quero voltar. Fiz terapia, e retorno sempre que sinto que posso estar a pisar a linha que me separa do saudável. Não tenho vergonha de admitir que precisei - e ainda preciso, às vezes - de ajuda, e que a procuro. Mais do que isso, tenho orgulho em saber assumir essa necessidade e levantar a mão. Ainda assim, não consigo compreender este sentimento. Fico triste e enraivecida por me sentir desta forma numa fase que é tudo aquilo com que sempre sonhei. Revolta-me esta tristeza que baixou em mim num momento que deveria ser tão feliz. E tenho medo do que virá por aí. Tenho muito medo.